Há imagens que nos ficam para sempre e a imagem do meu pai a bater palmas e a cantar a canção dos parabéns no seu aniversário não se apaga.
Observei-o, abanava a cabeça ao som da música, enquanto mexia
os lábios e batia palmas e nós cantávamos os parabéns para ele.
Perante aquele cenário e esta imagem que não me sai da
cabeça, sei que agora, não é ele quem toma conta de nós, com aquele sentido de
humor tão apurado. Somos nós que tomamos conta dele. Passou de cuidador a Ser que
requer cuidado, o que nos provoca uma quantidade diversificada de sentimentos que
se alternam entre a tristeza, o desespero e a alegria, conforme o pai desaparece
ou aparece.
A demência tem-se instalado e tem-no transformado numa outra pessoa, desconhecida.
Esta é uma pessoa que se esquece das palavras e por isso tem dificuldade em exprimir-se. Desequilibra-se constantemente e já caiu várias vezes. Diz a médica que não irá melhorar, só piorar. Por vezes, falamos com ele e o olhar é vazio, percebe-se que procura dentro dele significado para o que acabámos de dizer, mas não encontra, então simplesmente não responde.
Outras vezes mostra-se teimoso ou diz algo que nos faz rir, o que é sinal que ele ainda lá está.
A demência faz-nos sentir impotência e incapacidade. Faz-nos sentir medo e pensar no nosso futuro.
A demência faz-nos sentir exaustos e culpados.
Em suma, a demência é uma das mães de todos os sentimentos negativos e trouxe consigo a transformação não só do meu pai, mas da minha família também.